domingo, 8 de janeiro de 2012

Impotência de Orfeu

Na encosta,
napaisagem de seu fracasso,
Orfeu,

no frio úmido das águas barrentas
desolado

contempla Orfeu entre a lama:
tudo lhe escapara.

Sua lira jaz soterrada
no barro molhado.

Não fora capaz
como outrora
de frear as águas.

Seu canto,
não tinha sereias naquele mar,
fora mudo
emudecido para a audição
do deus.

Não podia a Netuno
às nereides
a Tritão, pedir.
Desconheciam aquelas águas.

Qual Psique
sua casa desaparecera.
Eurídice morrera
possuída pela saturação do solo.

Ele não poderia descer a buscá-la,
nada havia para entrar.
A lama tomara tudo.

As almas do Hades estavam à vista
nos corpos

que fugiam de seus caixões à mostra
como canhões
apontando insistentemente para o céu.

Doente, Orfeu lembrava-se dos argonautas
e meditava
sobre o velocino de ouro

Traria proteção àquela gente?
Não.

Seria outro bezerro
outra divindade de ouro.
Poderia provocar a fúria do deus
do deus cristão

e um dilúvio maior
de quarenta dias.

O solo saturado continuava a descer
e sobre as rochas, impotente
Orfeu contemplava a própria morte.

Orfeu, imóvel,na tempestade
sem tempo para se defender
sem tempo para a defesa civil,

impotente, apenas aguardava
o corpo de Eurídice
o próprio corpo

na enchente
no dilúvio
na lama.

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