Na encosta,
napaisagem de seu fracasso,
Orfeu,
no frio úmido das águas barrentas
desolado
contempla Orfeu entre a lama:
tudo lhe escapara.
Sua lira jaz soterrada
no barro molhado.
Não fora capaz
como outrora
de frear as águas.
Seu canto,
não tinha sereias naquele mar,
fora mudo
emudecido para a audição
do deus.
Não podia a Netuno
às nereides
a Tritão, pedir.
Desconheciam aquelas águas.
Qual Psique
sua casa desaparecera.
Eurídice morrera
possuída pela saturação do solo.
Ele não poderia descer a buscá-la,
nada havia para entrar.
A lama tomara tudo.
As almas do Hades estavam à vista
nos corpos
que fugiam de seus caixões à mostra
como canhões
apontando insistentemente para o céu.
Doente, Orfeu lembrava-se dos argonautas
e meditava
sobre o velocino de ouro
Traria proteção àquela gente?
Não.
Seria outro bezerro
outra divindade de ouro.
Poderia provocar a fúria do deus
do deus cristão
e um dilúvio maior
de quarenta dias.
O solo saturado continuava a descer
e sobre as rochas, impotente
Orfeu contemplava a própria morte.
Orfeu, imóvel,na tempestade
sem tempo para se defender
sem tempo para a defesa civil,
impotente, apenas aguardava
o corpo de Eurídice
o próprio corpo
na enchente
no dilúvio
na lama.
Nenhum comentário:
Postar um comentário